Rowan De Raven

Wednesday, June 08, 2005
 
03h31. Vovó morreu. Às 06h55 da manhã de terça-feira, dia 7 de junho. Morreu como ela não queria, sozinha numa cama de hospital. Pelo menos dizem que foi rápido (é, rápido depois de 8 anos de luta contra o câncer). Eu fui pra lá umas 7h30 e fiquei ao lado dela o resto do dia, no necrotério (até ajudei a maqueá-la), no velório, no enterro, até o final. Pedi perdão, falei que a amava, pedi que esperasse por mim caso exista mesmo algum céu... e chorei, chorei mais do que pretendia, mas nem mais nem menos do que queria chorar, chorei o que precisava chorar. Pelo menos ela estava bonita, estava com um dos vestidos preferidos e com a carinha que tinha antes de ficar doente, como se a morte a tivesse finalmente curado. Pela primeira vez vi alguém que realmente só parecia estar dormindo...

Então, agora acabou tudo, e todos devem tocar suas vidas - vidas que estiveram em suspenso desde que a doença dela foi descoberta anos atrás. Vendo por esse ângulo, podemos dizer que "estamos livres" para ir mais longe. Embora eu duvide que iremos, todos nós, sair do lugar... nós perdemos nosso chão, nossa base, a raiz da nossa árvore familiar.

E também... os deliciosos bolos de café e de coca-cola nunca mais (ninguém aprendeu a fazer), nunca mais cuscuz, pizzelas, arroz com manteiga, frango ensopado com polenta, braciola (ninguém faz igual), acho que nunca mais vou comer sagu também... E nunca mais as roupas de cama e banho com cheiro de alfazema, e outros tantos cheiros queridos como pó de arroz, talco myrurgia, laquê, cheiros que só ficavam bem nela. Nunca mais ajudar a calçar os sapatos, nunca mais ouvir que o meu traseiro está enorme para em seguida ser entupida de bolachas com queijo, arroz doce, gelatina, nunca mais tirar pó dos lustres de cristal e dos móveis (que já se foram também) com o velho espanador de penas, nunca mais assistir TV com ela e perguntar "vó, cê tá dormindo", e ela dar a entender que não balançando os pés, nunca mais levar uma hora para andar um quarteirão e parar em frente de todas as casas para bater papo, nunca mais vê-la no alto da escada da piscina do sítio chamando para o almoço, nunca mais ouvir ninguém me dizer que eu não devo esquecer que sou uma princesa e por isso só mereço o que há de melhor no mundo...

Se existe um Deus, Ele foi sábio ao criar os avós, mas cruel ao deixá-los conosco por tão pouco tempo. Estou sozinha no mundo agora. Perdi a última pessoa que me amava incondicionalmente, que me apoiava sempre, que tinha orgulho de mim, das pequenas coisas que eu fazia, do simples fato de eu existir. E imaginar que eu ainda devo passar 30, 40 anos assim, sozinha, sem ser amada... estou perdida, desorientada...

O que eu vou fazer quando acordar amanhã?


Tuesday, June 07, 2005
 
22h21. Eu não queria mais ver a vovó no hospital, mas acabei indo me despedir dela hoje. Ela entrou em coma ontem, agora é uma questão de horas. E, para nós que não podemos ficar lá com ela (só meu tio vai ficar), é uma questão de "tocar o telefone". Essa morte anunciada, morte que vem aos poucos, é desesperadora. Morrer não é bonito, não é suave, não é peaceful. É doloroso e angustiante. E agora, depois de quase oito anos de luta, ela vai embora de verdade. Claro que já sentimos falta dela há anos, de quem ela foi um dia, principalmente depois que ela parou de andar, falar, reconhecer as pessoas. Mas agora chegou o momento da despedida final, chegou o momento do "para sempre", do "ela realmente não está mais lá", não estará mais em lugar algum. Não sei lidar com isso, nunca estou preparada, nunca aceito bem. Sempre que eu perco alguém, perco parte de mim também. Cada vez que alguém vai embora, restam menos razões para eu querer ficar por aqui. And nothing else matters.